sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Precariedade na saúde de quem vive à margem



Num dos maiores assentamentos da América Latina entre morros e casinhas, habitam cerca de 70.000 pessoas que vão se expandindo a cada dia de modo alarmante e por vezes desordenado, os problemas se multiplicam, dentre eles a saúde torna-se uma grande preocupação.
Essa situação nos é bem mais próxima que imaginamos. A Vila Irmã Dulce está perdendo seu caráter de assentamento, abrigando cerca de 5.600 famílias, e em meio a esse crescimento acelerado somente um posto de saúde dá assistência para a vila e seus arredores.
Além de ser a única opção, fecha suas portas às 17:00 horas e não abre aos fins de semana. Se alguém precisar de atendimento fora do horário dos dias de funcionamento, terá que procurar uma outra alternativa.
“Se for uma coisa mais grave e inesperada, temos que ir pro hospital do Promorar. E o negócio é se virar pra conseguir um carro, porque nem ambulância tem no posto.” Diz Daniele Ribeiro da Silva, atendente em uma farmácia da vila.
O sufoco começa quando se tenta conseguir uma consulta, as pessoas são obrigadas a dormir em filas no posto de domingo para segunda-feira se quiserem marcar. Conseguida a consulta, outro obstáculo é a precariedade da equipe médica, que quando atendem, restringem-se a receber um número já estabelecido de pessoas (15). A Vila Irmã Dulce é dividida por áreas territoriais, e é destinado 1 médico para cada área dessas, sendo que cada médico especialista atende em um dia da semana, e só pode atender as 15 pessoas vindas de sua área. Receita na mão e o paciente “sortudo” que conseguiu chegar até esse ponto deve receber os remédios gratuitamente no posto, isso quando não estão em falta, outra grande reclamação da maioria dos moradores da Vila Irmã Dulce.
A diretora de saúde da vila, Marta Célia Ferreira, afirma que a situação da saúde por lá está bem difícil. “Já ficamos 7 meses sem médicos no posto, o atendimento era feito pelas enfermeiras e agentes de saúde”. Diz Marta. O posto de saúde da Vila Irmã Dulce não possui urgência, nem SAMU, e alguns médicos ficam receosos quanto a trabalhar em um lugar tão estigmatizado pela violência.
Quem tem seu trabalho bem reconhecido dentro da Vila Irmã Dulce são os agentes de saúde, que visitam as família com freqüência e acabam fazendo papel de médicos, psicólogos, assistentes sociais e até mesmo amigos dos moradores. São cerca de 21 agentes de saúde, divididos pelas áreas territoriais, e atendem mais ou menos 10 famílias por dia, indo também aos lares dos que não são atendidos pelo posto de saúde. O trabalho do agente é examinar todos os membros da família, verificando peso, e fazendo exames médicos, para mais tarde informar aos médicos as doenças e o que de fato falta para essas famílias, além de instruir-los a cerca de métodos preventivos das doenças.
Dona Cotinha é diretora do SAMI, responsável por marcar consultas no posto de saúde e organizar horários de atendimento - e já recebeu até ameaças por conta de sua profissão, lembra bem do dia que um bandido disse que lhe deixaria um “bombom” se não conseguisse uma consulta para o pai .- Ela defende que não é que o atendimento do posto seja ruim, a demanda que é muito grande, um único posto de saúde não tem capacidade para atender esse número exorbitante de família da vila Irmã Dulce.
“Só é possível construir um hospital se tivermos no mínimo 100.000 habitantes, não estamos longe de conseguir esse hospital, portanto, já que a vila cresce enormemente a cada dia”. Diz ela.
Na opinião de Dona Cotinha, os médicos que atendem na Vila Irmã Dulce são os melhores da redondeza, já que vem gente de toda parte buscar atendimento. “Tem até ginecologista que atende como clínico-geral na falta de outro, só para não deixar ninguém sem atendimento”. Diz Dona Cotinha.
Na vila Irmã Dulce um problema leva a outro, a falta de calçamento e saneamento básico torna comum a cena de crianças brincando na lama e resfriadas por causa da poeira. Os moradores afirmam que as doenças mais corriqueiras são gripe, pneumonia, alergia e vermes. E reivindicam melhorias na saúde, bem como em diversos outros pontos.
Não raramente, andando pelas ruas da vila, nos deparamos com meninas muito jovens grávidas, que dependem basicamente do posto de saúde para fazer seu pré-natal, muitas preferem buscar atendimento em hospitais particulares do centro, mas a maioria não tem condição e recorre ao precário posto de saúde da vila mesmo. Também é comum encontrar soros-positivos e pessoas com hanseníase na Irmã Dulce, porque apesar de muitos reconhecerem que existem trabalhos de prevenção e palestras explicativas, acabam por não se cuidar como deveriam. A diretora de Saúde, Marta, diz-se decepcionada pela ausência dos moradores nas palestras sobre saúde. A grande maioria ainda sente vergonha de participar desse tipo de mobilização, e não se esforça para ficar bem informado sobre isso.
Os moradores de certa forma, dificultam o trabalho dos agentes de saúde, por ter vergonha de mostrar alguns familiares que encontram-se doentes, impedem o tratamento, que pode ser mais simples se a doença for detectada no início.Um exemplo emblemático são as várias pessoas infectadas pelo vírus da Aids na vila, que não querem ser ajudadas, recusam-se a serem encaminhadas para o HDIC. Nesse caso os agente de saúde ainda têm o trabalho de tentar convencer as pessoas da necessidade de serem tratadas em outros lugares , já que a vila não tem recurso para tratar essas pessoas.
Moradores morrendo pela falta de um serviço básico de saúde não é um problema exclusivo da Vila Irmã Dulce,mas a situação nesse local é gritante, onde uma pessoa já chegou a dar a luz dentro de sua casa com uma parteira improvisada, porque a ambulância não chegava. Situações como essa, onde tem-se que improvisar por falta de atendimento são comuns nesse lugar bem mais que um simples assentamento ou amontoado de problemas.O único posto de saúde parco de recursos é muitas vezes a única opção para quem vive numa casa de paredes de barro e teto de palha.
*Por Larissa Andrade e Sarah Fontenelle